são quinze horas y sete minutos no horário de mato grosso do sul. trinta e um de dezembro do derradeiro dois mil y vinte. escrevo para marcar esse instante instável no tempo da consciência. minha mãe está na sala assistindo como treinar o seu dragão. meu irmão saiu para socorrer o meu pai – o carro pifou de novo. já escuto fogos. o nosso cachorro já tomou banho. dizemos que o ano velho tá partindo pra que um novinho nasça; mas será que estamos deixando as velharias pra trás ou só empurrando a sujeira pra debaixo do tapete? na verdade, deveríamos mesmo deixar as experiências para trás como se elas não tivessem existido? com que roupa chegaremos em dois mil y vinte y um? velha roupa colorida, a roupa que já não nos serve mais, diria belchior. por que não começamos a lavar a roupa suja? tecidos ensanguentados, salgados de choro, bostejados, panos y trapos imundos, manchados da comida da festa. mas também surrupiados de sujeira que não se pode ver; daquela coisa oculta ao olho, mas vivaz à memória, à consciência. qual o peso da sua consciência? falando em peso, que ano difícil de carregar. muita gente se foi – ainda sim as hienas não saciaram sua fome de sangue. o pior de tudo são aqueles que se dizem de bem, vivendo por aí como se não tivesse um vírus invisível a solta no ar. quão insignificantes nós somos não é mesmo? nos achamos os donos do mundo, mas basta um serzinho desse para nos derribar. entramos na era de aquário, aquele aquário de vidro impenetrável; a água já está lodenta y peixes estão morrendo pela boca, pelos anzóis, pela comida estragada intoxicada y transgenicada. são os deuses astronautas?, perguntou algum lunático. mas não uso lunático como quem é louco; lunático como quem tem a cabeça sintonizada no cosmos, nas estrelas y galáxias y nebulosas. são quinze y quarenta y seis. escrevo isso para deixar registrado na timeline da memória. esse ano eu morri y devo morrer no próximo também. me despeço de dois mil y vinte com um poeminha do carlinhos:
dezembro 31, 2020
Esse ano eu morri y devo morrer no próximo também
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
que venham dias melhores!
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